terça-feira, 18 de março de 2014

MÃES, MÉDICOS E PARTOS PÉLVICOS







 Olha, vou contar para vocês um pouco sobre partos pélvicos, o que conversei ontem com uma linda gestante cujo bebê resolveu ficar sentado até o final da gestação. Ela agora está na difícil tarefa de ter que escolher o que fazer.

Houve um tempo, até uns 50 anos atrás, que pélvico era um tipo de parto. Simples assim. Os médicos sabiam, as parteiras sabiam, e pronto. As nossas bisavós tiveram ou tinham uma irmã ou amiga que teve parto pélvico, sem maiores delongas.

Até que surgiu a cesárea, cada vez mais segura, cada vez mais comum. Nos cursos de medicina os médicos foram perdendo contato com o pélvico e na ausência do professor, operavam. Muitos cursos de medicina pararam de ensinar parto pélvico.

Em 2000 uma mulher do Canadá publicou um artigo enorme dizendo que o parto pélvico tinha mais risco para o bebê do que a cesárea. Esse artigo destruiu de vez as chances de um médico aprender a fazer parto pélvico e as mulheres de terem esse direito.

Cinco anos depois, já tinham saído mais dois artigos, um provando que o anterior foi tremendamente mal feito e não tinha o valor acadêmico que lhe foi atribuído e outro acompanhando essas mesmas crianças que nasceram no trabalho anterior e mostrando que a médio prazo a via de parto não fazia diferença para as crianças. Mas que a médio prazo continuava sendo pior para as mulheres a cesariana.

Agora já estão em andamento trabalhos nos EUA, Alemanha, Israel, França e Austrália mostrando que o parto pélvico é tão seguro quanto a cesárea, respeitadas algumas condições (bebê de termo, com menos que 4kg).

Qual é a questão no Brasil? A questão principal é a do risco profissional. Para os que não sabem fazer parto pélvico, o cara tem pavor de acontecer alguma coisa. Para os que sabem, o problema é o risco jurídico. Diante da cultura da cesariana no Brasil, qualquer coisa que aconteça num parto pélvico, mesmo que seja alguma coisa nada a ver com o parto, algo que a criança já tinha, até um problema congênito, por exemplo, o médico vai ser acusado de ter causado aquele dano.

Às vezes não é nem o paciente que move processo, mas sim outros médicos. Num parto pélvico recente que acompanhei num hospital, o bebê nasceu e foi atendido por um pediatra da casa (não deu tempo de chamar um dos nosso). O pediatra enlouqueceu por terem deixado o bebê pélvico nascer de parto normal e disse pro médico e para os pais que tinham fraturado as duas pernas do bebê. O bebê não teve fratura alguma, raio X veio lindo, o médico não se conformou, mandou fazer de novo o raio X, que veio lindo novamente, e só assim ele parou de infernizar a pobre mãe e o pobre médico.

E tem muito médico por aí que acha um absurdo parto normal ou natural, quanto mais um parto pélvico. Que loucura, que perigo!

Até mesmo em partos normais a gente vê isso. Qualquer problema que o bebê tenha, se nasceu de parto normal, a culpa foi do parto. Paradoxalmente são os bebês nascidos de cesariana que têm mais problemas. Mas ninguém se preocupa com esses, nesse caso o bebê é que era doentinho. Mesmo que seja um pulmão molhado com 10 dias de UTI. Não são só médicos que estão tão mal-educados quanto à questão do nascimento. Toda a sociedade está! Muitos maridos, famílias, amigas, enchendo a cabeça das mulheres que terão ou que tiveram um parto pélvico normal.

Atender, dentro desse cenário, um parto pélvico, é um serviço para heróis. O risco que esses médicos e parteiras correm não é do parto. É o da sociedade em que vivemos.

É o papel de cada uma de nós aqui, como mães, profissionais e educadoras (toda mãe é uma educadora), mostrar para a sociedade, em palavras meigas e sutis, que as pessoas enlouqueceram! Que as pessoas não estão entendendo a questão do nascimento.

Ninguém pensa nos riscos que uma mulher corre a longo prazo após uma ou mais cesarianas. Ninguém quer saber das placentas acretas, prévias, rupturas, infertilidade. Ninguém cumprimenta uma mulher que teve um parto pélvico. As pessoas a chamam de louca!

E cabe a cada uma de nós ajudar a mudar esse cenário.

Deixo aqui meu abraço a cada mãe que teve a coragem de ter um parto pélvico e um abraço ainda mais forte em cada mãe que não conseguiu vencer essa gigantesca onda contrária, quase tsunâmica. E um abraço ainda mais forte e profunda solidariedade a quem quis tentar, mas teve seu direito negado.


 Leia mais em: http://www.maternidadeativa.com.br/artigo7.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário